Avançados. Os "patinhos feios" da Formação?

on quinta-feira, 10 de março de 2011
Há cerca de um ano atrás, numa das minhas muitas deslocações aos estádios deste País, deparei-me com uma equipa com qualidade, quer individualmente quer colectivamente.
Jogavam um futebol alegre, ofensivo, com bons rasgos individuais e com combinações interessantes.
Era uma equipa composta por miúdos que tratavam bem a bola, com capacidade no 1x1, com inteligência na decisão. Mas lembro-me que desde o primeiro momento me ficou na retina um outro tipo de jogador. Um jogador alto, um pouco descoordenado, esforçado e com um remate forte. Um “candidato” a ponta de lança.
Voltaria a ver jogos da mesma equipa, voltaria a focar o meu interesse nesse mesmo avançado. Um miúdo com margem e recursos para, mas ainda longe de “encarnar” a personagem de ponta de lança. Sem grandes noções de como movimentar, sem preocupação de jogar com e para a equipa (não aparecendo como apoio frontal na construção) e ainda tímido na forma como procurava a baliza, procurava o golo.
Quis o destino que viesse a encontrar a mesma equipa e portanto o mesmo jogador, agora numa relação de treinador – jogador.
Começou a época, tive a oportunidade de conhecer todos os atletas aprofundadamente. Tive curiosidade em conhecer melhor o avançado, em conhece-lo verdadeiramente ainda que procurasse não o diferenciar dos outros.
Deparei-me com um miúdo bem integrado em termos de grupo, muito activo no balneário ainda que longe de procurar fazer prevalecer a sua influência. No campo..tímido, menos confiante do que eu esperava.
Sempre com vontade de trabalhar, sempre com ouvidos bem abertos, mas tímido. A questão que se colocava - timidez natural ou uma forma disfarçada de alguma falta de auto-confiança?
Em conversa percebi que se tratava realmente de auto-confiança. Humildade para reconhecer que ainda tinha muito a percorrer, mas falta de confiança para assumir que tinha margem e potencial para atingir um rendimento muito superior.
Com o início dos treinos, com os jogos, apercebi-me que era algo interno, mas também externo.
Um miúdo com pouca experiência numa posição como a de ponta de lança, posição essa muito exigente e específica, um miúdo que “esticou” depressa e portanto perdeu alguma coordenação e agilidade, mas ainda assim um miúdo com mentalidade de trabalho, de esforço, com pormenores técnicos assinaláveis para alguém da sua morfologia, uma potencia de remate invejável.
Ali estava talento e margem por explorar. Sem querer falar em jogador de top, certamente um bom jogador que tinha tudo para render mais, para evoluir rápido e para se assumir como peça fundamental na equipa.
Mas a auto-confiança ou neste caso a falta dela, castigava este miúdo.
No momento da verdade, no momento da finalização não estava tranquilo, sentia a pressão externa que existia á sua volta.
Não era para menos. De alguma forma, alguém como eu que só estava no clube á 2,3 meses, percebia que o meu jogador era uma especie de “patinho feio”. Sempre importante na manobra da equipa, bem do ponto de vista exibicional, mas se no momento certo não revelasse eficácia na finalização, da bancada “bocas”, “comentários”, etc.
Era portanto necessário combater esta situação para dar início a um trabalho profundo e específico para que este miúdo se tornasse num avançado completo. Eficaz na finalização, importante na manobra colectiva e capaz de “inventar” espaços para si e para os seus colegas.
Foi portanto necessário trabalhar a cabeça. Trabalhar o aspecto mental. Só com a cabeça limpa e com uma boa dose de confiança, este miúdo conseguiria uma curva ascendente na sua evolução.
E assim foi. Muitos incentivos em treino, correcções sempre num tom positivo e optimista e o reconhecimento da capacidade de trabalho do mesmo, perante todo o grupo, como sinal de total confiança dos treinadores nas suas qualidades.
No campo o jogador respondeu com tudo o que tinha.
Já o era, mas rapidamente se tornou exemplo de trabalho e de motivação. Sempre a trabalhar nos limites, a exigir a si mesmo e aos colegas o máximo e sempre com uma atitude de nunca atirar a toalha ao chão nos momentos mais complicados.
A partir daqui foi fácil moldar este jogador para se adaptar ao que a equipa precisava mas sobretudo ao que era necessário para ele próprio render cada vez mais como avançado.
A responder positivamente a cada desafio, a cada exercício, a cada barreira imposta. A melhorar em todos os aspectos do seu jogo e a crescer de dia para dia em termos de qualidade.
Hoje é um jogador inquestionável na equipa, uma das peças chave do onze, um elemento de peso pelos golos, pelas assistências e sobretudo pelo que joga para a equipa e faz a equipa jogar.
A desconfiança de quem acompanha a equipa do lado de fora vai-se esvanecendo e o futuro do avançado parece seguro.


Isto faz-me questionar a paciência que existe para trabalhar jogadores com este tipo de características.
A verdade é que em termos muito gerais exige-se o mesmo que se exige aos séniores quando falamos de formação.
Rendimento imediato, eficácia, golos, vitórias, conquistas.
Se não rende já, se não marca agora, então não joga, não tem qualidade para jogar e ser aposta dos treinadores.
Não será esse o motivo para termos problemas enormes na posição de ponta de lança ao nível das selecções nacionais?
Não será que a resposta está em detectar os miúdos com características naturais para a posição e através de um trabalho paciente e de continuidade, trabalhar estes miúdos e evolui-los para que possam aparecer em termos de rendimento e eficácia mais tarde?

O meu avançado era um miúdo alto, fisicamente imponente para a idade. Com alguma velocidade, um pouquinho descoordenado mas ainda assim com qualidade ao nível dos gestos técnicos, não destoando significativamente dos restantes colegas.
Potente no remate, tímido no jogo aéreo.
Por outro lado imponente fisicamente mas nem sempre agressivo nos duelos individuais, nem sempre agressivo e decisivo nas disputas de bola e na “luta” dentro da área.
No momento de finalizar algumas lacunas é verdade, mas sobretudo falta de confiança, falta de trabalho específico para se tornar mais eficaz.
Colectivamente, com boa noção de movimentos de ruptura, sobretudo em distâncias grandes, mas com pouca noção de movimentos de apoio frontal, pouca noção de momento de ataque ao espaço quando a bola é colocada no espaço de finalização.

O tempo, a paciência, mas sobretudo a sua vontade de aprender e evoluir, fizeram dele um jogador diferente e em pouco tempo.
E saliento o pouco tempo. Se conseguiu evoluir tanto em tão pouco tempo, significa que há margem para evoluir mais e mais. Haja continuidade no trabalho que tem sido feito com ele...

Hoje é um jogador com plena noção do colectivo. Não se movimenta invariavelmente para o espaço nas costas, mas ao invés é um importante apoio para garantir uma boa circulação de bola.
Joga bem de costas. Varia a decisão: recebe e esconde, recebe, orienta e conduz, recebe e tabela.
Tecnicamente cresceu. Bem mais eficaz no passe, melhor na recepção orientada, passou a utilizar também o pé esquerdo com alguma frequência. Está mais forte na técnica de remate.
Cresceu acima de tudo no 1x1, no calculismo e eficácia cara a cara com o guarda-redes.
Por outro lado está mais agressivo. Não se encolhe no choque, disputa todas as bolas no limite e cria instabilidade nos defesas contrários, pois deparam-se com um avançado possante e que não vira a cara á luta (até miúdos do escalão acima já sentem dificuldades).
A agressividade trouxe-lhe também mais peso em termos defensivos e mais capacidade para lidar com bolas paradas defensivas.
Na frente ainda não é um “animal” de área. Ainda não é aquele jogador felino de aparecer no sítio certo e de forma repentina para finalizar. Apesar das características físicas, é um jogador que aparece mais e melhor fora da área e de trás para a frente.

Obviamente que terá algo a melhorar.
Sobretudo dois aspectos fundamentais: o primeiro é o tempo e o sentido das diagonais curtas. Tem que estar mais interligado com o sector do meio campo no momento de fazer diagonais para receber no espaço e finalizar, sobretudo as diagonais curtas mas muitas vezes decisivas.
O segundo aspecto, claramente torna-lo mais “egoísta”, mais faminto pelo golo, mais egocentrico nas zonas de finalização. Embora seja louvável a mentalidade colectiva que apresenta, parece-me a mim que terá de ser mais egoísta quando tem bola. Precisa de encarar a baliza com mais confiança e disparar de meia distância sem receio de falhar. Tem potencia, tem colocação, fará muitos golos certamente. Sobretudo quando recebe sobre a esquerda e consegue espaço para fletir para dentro. Se procurar o remate mais vezes, vai fazer muitos e bons golos.


Se leram com atenção caros amigos, perceberam bem a evolução deste jogador.
O mérito não reside unicamente nos treinadores que o orientam, nos métodos de trabalho. Está sobretudo na forma abnegada como este miúdo trabalha e como encara os treinos.
Está na margem que sempre revelou e portanto numa evolução natural de um jogador que se está a formar.
Os treinadores apenas se limitaram a reconhecer talento, margem e a procurar potencia-los da melhor forma. Os métodos apenas ajudaram a que ele, tal como os restantes colegas, potenciassem aspectos do seu jogo.
Mas repito, é sobretudo a mentalidade forte do jogador e pq não dize-lo, a teimosia e confiança na aposta num jogador destas características, que hoje me permitem ter orgulho no trajeto que o referido jogador tem feito.

Este é apenas um mero exemplo.
Um mero exemplo da necessidade que existe no futebol nacional em que se acreditem em determinados jogadores, com determinadas características, e que lhes seja dado tempo, espaço e oportunidades para crescerem e se afirmarem.
Só assim começaremos a ter avançados em quantidade e em alguns casos em qualidade.
Só desta forma se começará a criar bases para chegarmos aos juniores e não vermos uma quantidade excessiva de avançados estrageiros, olharmos para os campeonatos nacionais (ligas profissionais mas não só) e contarmos pelos dedos os avançados que são Portugueses...



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