A observação de adversários

on quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011
A observação de adversários é uma área recente.
Obviamente que nos anos 80, 90 já muitos seriam os treinadores a terem o cuidado de conhecer os seus adversários, a “radiografa-los”, contudo a área da observação de adversários, no sentido profissional, é uma área recente, e que ainda é de alguma forma marginalizada.
Marginalizada porque me parece, embora suspeito para falar, uma área crucial no futebol de alto rendimento actual, mas contudo ainda é negligenciada pelo dirigente, pelo director desportivo.
Não são muitos os Clubes dispostos a fazer um investimento em um ou mais profissionais nesta área, não são muitos os Clubes dispostos a montar um gabinete de observação.
A razão desconheço, quiça porque o Futebol é um fenómeno popular, todos os seus adeptos julgam que percebem do fenómeno, muitos adjectivam-no como simples.
Ao olhar do adepto consigo perceber. De facto parece ser um desporto de 11 contra 11, cada grupo de onze é organizado através de um desenho tático estático e o objectivo é fazer golos.
Contudo o Futebol é muito complexo, é muito mais do que isso, é muito mais do que a realidade que o adepto conhece (e que portanto para ele é a sua realidade..refutando as outras) e no alto rendimento, no futebol de alto nível, são os detalhes que começam a fazer toda a diferença. Não será a observação de adversários um pequeno/grande detalhe?
No Futebol, tal como no Mundo Empresarial ou até na Guerra, sim na Guerra, o conhecimento do adversário e a adopção de estratégias adequadas em função das características do adversário, é uma ferramenta crucial para o sucesso, para a vitória.
Se tiverem a oportunidade de ler a Arte da Guerra de Sun Tzu, rapidamente perceberão que já nos nosso primórdios, o conhecimento do adversário, dos seus pontos fortes, das suas fraquezas, das suas estratégias, dos seus comportamentos, era tido como primordial e visto como uma base para alcançar a vitória.
No Futebol não é muito diferente.
Aliás, quem tiver a oportunidade de ler a obra de Tzu rapidamente perceberá que existem grandes, inesperadamente grandes, semelhanças entre aquilo que é a preparação de um exercito para uma guerra contra um adversário específico e aquilo que é a preparação de uma equipa para um determinado jogo.
Existem os recursos humanos e suas características específicas, existe o campo de batalha, existe a motivação, existe a ordem, a tática, a estratégia, etc, etc, etc.
Grandes semelhanças!
Portanto, estranho que em Portugal, e mesmo tendo em conta a crise financeira, se considere crucial ter um bom treinador, bons adjuntos, bons jogadores, boas infrastruturas de treino, bom gabinete médico mas ainda não se tenha a preocupação de se ter um bom gabinete de observação de adversários (que se pode tornar multidisciplinar ao cobrir também a prospecção de reforços ou a análise de treino).
Acredito que seja uma questão de tempo. O tempo necessário para que todos estes treinadores com formação adequada, com conhecimento aprofundado do jogo, com uma visão mais ampla e científica do Jogo consigam impor as suas ideias aos dirigentes dos Clubes e consigam passar para as direcções que só se ganha sendo profissional e montando uma estrutura adequada ás exigências do futebol de alto rendimento.
Mas não estranhem a minha referência a treinadores “com formação adequada”. Não é de forma alguma uma tentativa de denegrir a imagem de outros tantos que, embora não sendo formados academicamente, têm uma experiência prática do jogo importante.
É sim uma referência a todos os treinadores que têm um conhecimento aprofundado e científico do jogo, que tiveram formação adequada ou que na impossibilidade de a ter, têm o cuidado de diariamente procurarem informação, se auto-instruirem para acompanharem a tendência do futebol actual.
São estes os treinadores que não menosprezam o conhecimento do adversário. São estes os treinadores que recebendo um relatório sobre o adversário, o sabem ler, interpretar e montar estratégias adequadas para aumentar as suas probabilidades de sucesso, tal e qual um grande general militar.
Só os competentes farão uso da informação que lhes chega, os que não o são basicamente até a podem ler, mas não a sabem descodificar e não sabem transformar essa informação em importantes trunfos. Diria que para ler pautas de música é preciso ter a formação necessária, caso contrário nunca conseguiremos perceber o que temos á frente dos nossos olhos.




Mas adiante,
Um outro ponto que me parece importante focar é a complexidade ou não em observar um adversário.
Esta foi uma área que sempre me fascinou, sobretudo porque desde que me conheço sempre tive a curiosidade de perceber mais e mais o futebol jogado, a identidade de cada equipa, etc.
Como tal, comecei esta actividade (que ainda hj exerço) de forma totalmente voluntária para um clube que actuava na 3ª divisão nacional, o clube da minha infância, o Vilanovense.
O objectivo era claro: exigir a mim mesmo a criação de métodos para conseguir analisar de forma adequada um adversário.
E foi uma experiência curta mas gira. Curta porque rapidamente percebi que o meu esforço não iria ser aproveitado de forma adequada pela equipa técnica. Curta porque percebi que a complexidade do futebol jogado pelas equipas adversárias era baixa.
Mas gira porque me deparei com os primeiros erros: ter em conta a parte estática do jogo e menos as suas dinâmicas, dar importância em excesso á estatística, olhar para os aspectos individuais e menos para os colectivos, etc.
Hoje, quando olho para um desses relatórios, fico com um sorriso.
Só se evolui aprendendo, errando, procurando informação e tirando conclusões. E assim fiz...
Anos mais tarde, já com um conhecimento aprofundado do jogo, já com experiência no treino e na liderança de equipas, tive a minha segunda oportunidade.
E de lá para cá as oportunidades exigiram mais qualidade, mais responsabilidade e tiveram sempre um peso maior.
Observar equipas da Liga Orangina, observar equipas da Liga Sagres, observar os adversários nas fases finais dos Campeonatos Nacionais do Sport Lisboa e Benfica.
Aquela função que me criava nervosismo e ansiedade para tentar decifrar o mais rapidamente possível uma quantidade enorme de informação em relação a cada adversário, foi dando lugar a uma observação tranquila, racional e sobretudo natural.
Hoje faço as observações de uma forma muito tranquila, focado naquilo que me interessa e sem o medo de não conseguir interpretar o que estou a assistir.
Nunca me deixei levar pelas milhentas “fórmulas” que foi lendo ao longo dos anos. Autênticos manuais de prioridades, passo por passo, para uma observação correcta.
Nada disso. Fui aprendendo com a experiência e com as conclusões que fui tirando da prática.
Construí o meu próprio método e é como ele que me sinto confortável a trabalhar.


E é com base neste relato da minha experiência que o leitor perguntará: é complexo analisar adversários?
Eu diria que é relativo.
Todos aqueles que não tiveram a experiência do treino, da orientação de uma equipa em jogo, terão certamente dificuldades.
Provavelmente irão decifrar apenas aquilo que é básico, estrutural e menos as dinâmicas e as particularidades do jogar de uma equipa.
Considero fundamental o conhecimento teórico alargado sobre Futebol. Considero o conhecimento prático fundamental.
Depois a prática, a base da evolução.
Com muito ou pouco conhecimento, acompanhar um jogo in loco (sem recurso a video), ter 90 minutos para radiografar uma equipa, perceber os seus princípios de jogo, etc, é complexo.
Requer método, requer experiência, requer o “olho treinado” para olharmos para o que interessa, para sermos capazes de identificar os detalhes que podem fazer toda a diferença.
Por outro lado refiro-me a relativo, porque tudo depende daquilo que o treinador exige do seu observador de adversários.
Se o fundamental fôr uma análise mais superficial e apenas relativa a grandes princípios de jogo e ao que é, digamos, estrutural, com mais ou menos qualidade, não é difícil fazer uma boa análise.
Quando a exigência é de outro tipo, muito mais complexa, pormenorizada, etc, então a tarefa torna-se bastante exigente.
Se para além da observação in loco ainda existir a possibilidade do recurso a video, a tarefa simplifica-se.
Se mesmo não existindo video, existe a possibilidade de ver mais do que um jogo, a tarefa fica mais facilitada e a probabilidade de errar será sempre menor.
Se a observação tem que ser feita em 90m, a informação exigida é bastante, então é uma tarefa difícil e árdua.
Já vivi ambas as realidades.

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