Coragem e consciência

on sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011
Esta é uma temática já muito “batida”, ainda que actual, e é um dos problemas do futebol português para o futuro próximo.
A crise financeira ameaça a sobrevivência dos clubes e sua capacidade de se manterem competitivos, a solução passa por haver coragem e consciência para olhar para os jovens.


Um País que cresceu no panorama internacional á custa do talento, do produto nacional e não á custa de uma qualquer capacidade económica para termos clubes e portanto uma liga de renome, tem, nos últimos anos, virado costas aos seus escalões de formação.
Existe até uma contradição. Os clubes apetrecham-se cada vez mais com infrastruturas de nível para trabalhar os seus escalões de formação, investem muito dinheiro em redes de prospecção profissionalizadas (uma realidade que deixou de ser exclusiva dos clubes grandes), mas o produto final, o jogador que sai da formação e integra a equipa profissional, é muito escasso.


A que se deve esta dura e triste realidade? Falta de coragem dos treinadores?
Julgo que esta temática é bem mais complexa do que parece. No fundo é acima de tudo uma questão de mentalidade, de hábito. E, quando assim é, torna-se mais difícil alterar a realidade, leva tempo, exige rupturas, exige dirigentes e treinadores de coragem, existe um debate profundo e Portugal, como sabemos, ainda tem uma mentalidade de velhos do restelo, que se agarram ao passado e ás verdades do ontem, para não pensarem no futuro e assumirem linhas de pensamento diferentes, inovadores, conscientes.


Quanto á mim urge tomar medidas em alguns parametros importantes.
Em primeiro lugar uma questão de legislação. Tem que existir a coragem para defender o produto nacional. Numa altura em que para “salvar” a economia nacional se procura fomentar, em todos os ramos da actividade, o consumo dos produtos nacionais (para garantir o “boost” das empresas nacionais), o Futebol não deveria ser excepção.
Defender o que é nosso, criar condições para prosperar o jogador jovem Português nas ligas profissionais.
É urgente interpretar a lei e pensar em formas de impedir o aumento exponencial de jogadores estrangeiros nos escalões de formação. Não digo eliminar por completo, pois julgo que as equipas nacionais podem e devem ter a possibilidade de ir buscar fora jogadores que incrementem qualidade nos seus escalões de formação, mas terá de ser feito algo para garantir um equilíbrio, até para defesa das Selecções Nacionais mais jovens.


Em segundo lugar, a criação de um espaço competitivo adequado para que a transição futebol juvenil – futebol profissional decorra de uma forma gradual e de acordo com aquilo que um jogador de 18, 19 anos pode dar ou não.
Tem sido discutida a possibilidade de fazer regressar as equipas B. Sou a favor, desde que exista legislação adequada e as equipas B até possam promover o encurtamento dos plantéis principais das equipas das Ligas Profissionais.
Impedir a utilização de jogadores acima dos 23 anos, permitir que os jogadores possam competir pela equipa principal e pela equipa B mediante as necessidades de cada clube, em cada momento. Permitir que as equipas B possam competir na actual Liga Orangina, um espaço de eleição para os jovens talentos amadurecerem e se tornarem competitivos.


Em terceiro lugar algo que diz respeito ao hábito, á paciência.
Não é possível que o adepto que questiona quase diariamente as razões para a não aposta em miúdos da formação, seja o primeiro a assobiar no estádio quando um miúdo entra e as coisas não correm bem, seja o primeiro a revelar desagrado porque o treinador optou pelo risco de colocar um jovem e não um qualquer “consagrado”.
Seja o primeiro a assobiar a criatividade, a fantasia e a irreverência de um jovem talento. Ao invés exulta-se os “tocadores de bombo”, o jogador de raça, que destrói, que suja a camisola e não vira a cara á luta mas que não dá ao jogo a qualidade e a fantasia para dizermos: grande espetáculo a que assisti.
De facto esta questão da mentalidade é um dos muitos contrasensos do adepto Português. Quer ver jovens da casa a aparecer, mas a paciência para os ver crescer e evoluir é zero. Queremos um produto acabado.
Nesse particular só treinadores com grande integridade e ideias bem claras é que conseguem superar essa pressão externa, muitas vezes até essa pressão interna, que os poderia afastar dos jovens, da aposta naqueles que têm todos os indicadores que poderão chegar ao topo do futebol nacional.




É complexo, é difícil. Acredito que nos próximos anos pouco ou nada se fará para garantir que o jogador nacional é protegido.
Para legislar é necessário que o Futebol deixe de estar no poder, apenas e só, dos clubes. Nada se consegue se o Futebol continuar a ser dirigido por uma “máquina de vícios”, que pouco interesse ou nenhum tem em alterar a realidade. A alteração dos estatutos da FPF poderia ser um pontapé de saída para um poder tripartido e para que o interesse do jogador também possa ser defendido na hora das grandes decisões.
Por outro lado, a máquina montada no dirigismo Português está de tal forma viciada, que continua a existir em muitas casos uma ausência quase total de uma política desportiva bem definida, de um planeamento e organização do futebol profissional dos clubes. Ao invés vive-se o momento, vive-se num mundo de influências de empresários, ligações perigosas Presidentes-Treinadores-Empresários, contrata-se no escuro, no risco.
Em terceiro lugar a necessidade de reeducar o adepto Português. O exigir dos seus clubes o ganhar a jogar bem, o querer espetáculos de qualidade, o defender o jogador talentoso e criativo, etc.


É um processo difícil, complexo.


Ficam para refletirmos alguns exemplos.
O primeiro Paulo Bento. Depois de liderar o Sporting ao título do Campeonato Nacional de Juniores não teve receio em chamar muitos dos seus “meninos” para a equipa profissional. Escudou-os, protegeu-os das críticas e hoje são jogadores de eleição: João Moutinho (o melhor médio Português da actualidade), Miguel Veloso ou ainda mais evidente: Rui Patrício. Um guarda-redes pleno de talento que apenas necessita de paciência e competição para evoluir e se tornar o número 1 da Selecção Nacional.
Embora sendo suspeito, temos a política desportiva do Paços Ferreira. Um orçamento mais baixo, um plantel repleto de jovens, muitos deles sem muita experiência ao mais alto nível. Adivinhava-se o desastre? Pois bem, temos um Paços Ferreira a praticar bom futebol, a potenciar não um, não dois, não três, mas vários jovens promissores do futebol nacional e temos uma equipa a fazer um campeonato interessante e nas meias finais da Taça da Liga.
Por último temos o Sporting. Será que a aposta na prata da casa impede que os clubes possam aspirar a grandes conquistas? Não! De todo!
Não se pode é esperar que sejam os jovens a ganhar esses campeonatos. Não se pode esperar que os jovens que se encontram em fase de afirmação carreguem a equipa ás costas e acarretem a responsabilidade de liderar um balneário.
Se uma equipa estiver dotada com um conjunto de jogadores com experiência e qualidade inegável, pode perfeitamente completar o seu grupo com jovens de talento e com margem de progressão.
Alguém se lembra das melhores temporadas nos últimos anos do Sporting? Contem os jogadores que eram da casa. Hugo Viana? Quaresma? Ronaldo? Entre outros...


Pois é, o futebol nacional tem um desafio pela frente.
Há cada vez menos dinheiro, há cada vez menos equilíbrio nas contas dos clubes. O que fazer?
A resposta é óbvia! Haja coragem!

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